Por Vitor Tokoro – 21-ago-2021 / 20:48
para que serve um logaritmo? saber o formato de uma curva senoidal ou o que é efeito tampão?
puxando na memória, que já falha, creio não ter usado algum desses conceitos ao longo de minha vida profissional e pessoal.
então, pra quê servem? tão mais fácil ver os botões despontarem na orquídea, vê-las pacientemente se transformar em flores, exclamar junto à mãe que ela tem mão boa, ela diz, “bobo, o segredo tá aqui, ó”, e me mostra o borrifador de produto pronto para orquídeas. pelo sim, pelo não, prefiro ficar na minha fantasia de menino que diz que tudo que a mãe faz, faz bem feito.
não sei se eles sabem fazer pivot table ou somase no excel, não importa, essa é a minha língua. saímos de casa tendo que ser poliglota, sorte de mim que tenho pai e mãe, sorte minha que ao longo da vida fui aprendendo a língua deles.
sexta, quinze para as três da tarde, faço chá, encho a garrafa d’água, conecto o celular no cabo, ajeito-o no suporte, pego o tapoér de biscoito, um chocolate e um par de meias, caso o pé gele. hora de falar com o pai, hora não, horas, duas. ele lá, recém implantado do marca-passo e já todo serelepe, falamos de política, meio-ambiente, água e a falta dela, coisa que ele fala faz quarenta anos, economia, passamos pela família, como os bisnetos europeus estão crescendo rápido à medida da saudade, ele se diz preocupado com o aquecimento global, me explica minuciosamente através de logaritmo, efeito tampão e curva senoidal o que lovelock reporta em seu livro alerta final. pausa no meio da conversa para xixi, fim de conversa a tempo de ir ver o sol se pôr na cana ou tomar uma cana ou os dois.
sábado, dez da manhã, ligo para a mãe, ela fica feliz em me ver no vídeo, até chora, até choramos, ela pergunta onde estou, como está a amada, manda lembranças, eu mostro as orquídeas, estão todas florindo, ela põe as duas mãos no rosto, uma em cada face, abre a boca, faz cara de espanto, “ai, que liiiiindas!!”, assim, com um monte de i e duas exclamações. seis brancas grandes, três violetas noutro vaso, outras três iguais e mais dois botões que ainda vão abrir em outro, quatro rendadas de branco e roxo que já murcharam, duas já caíram e estão na bancada secando, quatro brancas pequenas rendadas, mais um pendão com três ou quatro botões que virão, ainda não dá para saber.
hoje, sobre minhas quase seis décadas respirando, entendi para que serve falar logaritmês e orquidês.