Por Lorenzo Paolo Dominiciani…
O ATO AMORAL E O ATO AMORAL
O ato imoral é o que fere a moral. Já o ato amoral é o que se realiza a margem da moral, não se mede com valor moral. Por exemplo, a arte, em si, é amoral, não tem valor moral mas sim, estético, ainda quando aborda um tema imoral: um quadro, um livro, um filme que trate de alguma conduta moralmente reprovável, despe-se sem o menor resquício de sugestão de reprodução do ato imoral.
São também amorais a “etiqueta”, o protocolo, certas convenções sociais. Exemplos: a maneira de se vestir, os modos à mesa, o comportamento na casa alheia, a observância do cumprimento às pessoas, a escolha das palavras segundo o ambiente social, a higiene pessoal, etc. Não que esses atos não sejam importantes para o relacionamento inter-pessoal. Apenas não são “tecnicamente” do âmbito da Ética.
Mais à frente veremos as condições para que o ato tenha efetivo valor moral.
MODELOS CLÁSSICO E MODERNO DE ÉTICA
No tempo e no orbe da Grécia antiga vigorava o modelo denominado: Ética Clássica. A tendência da Ética era formular a moral. Sócrates, Platão, Aristóteles, entre outros do seu tempo, julgavam-se no dever não só de teorizar sobre a boa conduta cidadã como difundi-la, sobretudo entre os jovens, para que fosse praticada e perpetuada. Sua critica da moral vigente era de fato a critica dos costumes sociais. Não era aquela Ética “ciência da moral” que definimos anteriormente (ver post anterior). Era uma ética conseqüente, tinha um objetivo prático, que era o de produzir mudança social, a começar pela mudança do pensamento. Forrando um pouco o conceito, era uma ética revolucionária. Mas era também uma Ética ideológica, pois o modelo proposto pelos filósofos clássicos era ideal, baseado em suas próprias cogitações e intuições do que seriam o bom, o belo e o justo.

Segundo Aristóteles, cabe aos “melhores” – isto é, aos filósofos – definir o bem do homem, a saber, o comportamento moral do cidadão. A Ética clássica era, então, um instrumento civilizador. É importante lembrar que a postura dos primeiros filósofos clássicos, que hoje se distanciam de dois milênios e meio, pode sugerir a idéia de condicionamento do comportamento moral, revestia-se na verdade de valor vital – que em certos contextos ombreia, talvez supere os valores morais – pois a polis grega, assim como a Civita romana e toda cidade-estudo daquele período histórico estavam em constante ameaça de invasão e saque, sendo as virtudes cívicas altamente necessárias para a defesa da gene e correspondentemente valorizadas. Mas nem tudo era draconiana disciplina na época áurea da antiga Grécia. Um certo hedonismo e um certo epicurismo eram admitidos e desejados, como veremos mais adiante neste estudo, pois além de justa e útil a manutenção da polis, a vida deveria ser também boa e bela, isto é, atenta igualmente ao desfrute individual dos prazeres tanto do corpo como da alma, ou a existência não seria plena, digamos ainda mais apropriadamente… eubiótica.
Já a Ética cientifica, acadêmica ou moderna propõe-se, nas palavras de Vasquez, a “explicar racionalmente o comportamento moral da Humanidade em seu conjunto. A Ética moderna não cria a moral, não forma juízo de valor sobre a prática moral nesta ou naquela sociedade, neste ou naquele tempo. A Ética deve fornecer a compreensão racional de um aspecto real, efetivo do comportamento dos homens”. “Uma Ética cientifica – segue Vasquez – pressupõe necessariamente uma concepção imanentista – antropocêntrica, poderíamos também dizer – e racionalista do mundo dos homens, da qual se eliminem instâncias ou fatores extra-mundanos, super-humanos e irracionais”.
Assim, esta ética “expurgada de fatores irracionais” obriga-se por princípio a desconsiderar todo resquício de Inspiração, Intuição e Revelação. Dela ficam exclusas as Éticas ideológicas, como, por exemplo, as gregas clássicas, as religiosas e a teosófica. Ela é imanentista – só admite a verdade alcançada pelo homem, segundo seu próprio entendimento – e repudia a vertente transcendentalista, de uma fonte da verdade supra-racional ou sobre-humana. Além do mais, não postula a conduta ideal, como a Ética clássica, mas limita-se a observar o comportamento moral do homem como objeto de analise, visando entender seu “mecanismo”, sem direcioná-lo, ainda que depois de supostamente compreendido. “Ela não cria a moral”, estuda-a.
A Ética cientifica, ensaiada no final do Medievo e instaurada na Renascença após muitos embates com a Ética religiosa, cristalizada sobretudo na Escolástica, tem seu lado positivo. Ela confrontou, por exemplo, as dubiedades ideológicas da Ética da Igreja, que dominou o Medievo e que de fato se estendeu até bem depois, inclusive na sua forma mais notável e abjeta, que foi a moral inquisitorial, como um verdadeiro “dique de contenção” dos excessos daquela forma de moral ideológica.
Por outro lado, a Ética cientifica, domada pela razão concreta e encastelada em seu pragmatismo e objetividade lógica, tem sido ineficaz – evito dizer omissa, pois sua proposta metodológica e exatamente de analise isenta do fato moral – em relação ao controle moral das massas por parte de certas ideologias políticas, raciais e econômicas modernas, por exemplo, aquelas vigentes na China de Mao, na Rússia de Stalin, na Alemanha de Hitler e em inúmeros outros regimes totalitários, sem contar o pan-imperialismo econômico ainda vigente. E assim, essa ética sem alma, que se jacta de infensa a todo “idealismo irracional”, acaba por conformar-se – e de certa forma contribuir para a composição de um mundo sombrio, sem esperança e sem fé, donde toda utopia, todo sonho, todo ideal espiritual foi banido.